Existe o mito da Verdade Paralela que você precisa conhecer.
Você sabe o que é a Verdade Paralela? Para começar essa conversa precisaremos voltar no tempo e encontrar algo peculiar em nossa história. Durante o século XIX, membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro estudaram inscrições fenícias dentro da Pedra da Gávea no Rio de Janeiro.
Sim. Havia (e ainda há…) quem acredite que fenícios, troianos, vikings e mesmo alienígenas construíram cidades no Brasil.
Em meados do século XIX, O diretor do IHGB, Cândido Viana, Marques de Sapucaí (sim, o que dá nome à Avenida e sambódromo do Rio) recebeu a suposta transcrição de inscrições fenícias que encontradas por Joaquim Alves da Costa, no município de Pouso Alto, na Paraíba.
A questão é que nem Joaquim Alves ou a cidade de Pouso Alto existiam. Na verdade, o “texto fenício” eram reproduções de inscrições rupestres na região de Ingá, na Paraíba, conhecidas pelos povos indígenas do local e chamadas de itacoatiaras (“pinturas em pedra”, em tupi-guarani).
Na mesma época, já havia os que falassem que a pedra da Gávea no Rio de Janeiro seria uma grande escultura de uma cabeça humana com uma coroa ou chapéu feita por fenícios.
E nela haveriam inscrições do mesmo povo. Na verdade, ambos os casos são exemplos de pareidolia, onde nossa mente cria padrões onde eles não existem, para dar significado à coisas e formas e assim elas terem mais importância para nós. Os casos são diversos!
Um loroteiro que contribuiu para a lenda da presença dos fenícios no Brasil foi Ludwing Schwennhagen. Schwennhagen nasceu no Império Austro-Húngaro e chegou no Brasil no início do século XX depois de se desentender com seu sócio em um jornal antissemita em Viena.
Ele misturava História, Arqueologia e teorias mirabolantes para dar aulas na região do sertão nordestino nas décadas de 1910 e 1920. Lá, ele conheceu a região das Sete Cidades no Piauí, hoje um parque nacional com muitas pinturas rupestres.
Ele defendia a teoria que na verdade, ali estaria os restos do reino fundado pelo Rodrigo, último rei dos Visigodos, que teria fugido da península Ibérica no século VIII após a conquista desta pelos mouros e fundado um novo reino no atual Piauí, após atravessar o oceano.
O professor Ludovico Chovenagua, como Schwennhagen era conhecido, também defendia que na Paraíba estava escondida embaixo da terra a lendária cidade de Tutoia, capital do reino construído por fenícios unidos aos troianos. Pura lorota.
Na verdade, o Parque Nacional das Sete Cidades abriga um conjunto de formações geológicas que datam de mais de 360 milhões de anos e inscrições rupestres de mais de 6000 anos. Isto deveria ser impressionante o suficiente, mas loroteiros sempre estragam o que já é maravilhoso.
Óbvio que vocês perceberam que estas lorotas (não existe outro nome para isto) servem para dois objetivos. Primeiro, deslegitima os povos originários, ao buscarem origens mais europeias ou próximas à Europa para as culturas nativas da América.
Em geral, teorias que colocam europeus, fenícios, vikings, alienígenas como verdadeiros fundadores da civilização na América tem muito racismo nelas. Existem lorotas semelhantes para explicar a engenharia, astronomia e medicina de povos originários nos Andes e Mesoamérica.
Pois, para os que defendem este absurdo, os indígenas não teriam condições por si só de realizarem tais monumentos sem auxílio. Nunca vi falarem que alienígenas ajudaram os romanos, gregos ou europeus medievais na construção de seus palácios, castelos, templos e catedrais.
O outro objetivo era dar uma origem que uma elite branca e racista achasse mais digna para si. Assim, a “nobreza” do império que é a origem de muitas famílias ricas até hoje no Brasil não seria descendentes de indígenas, mas de fenícios, troianos e germânicos.
Desinformação que calhava com os interesses desta elite que não suportava não ser branca, não ser tratada como igual pela elite e nobreza europeias. Foi um esforço patético, mas que ainda rende frutos podres até hoje, como ficou evidente na lorota da cidade de Ratanabá.
Por isto, pense bem em que tipo de imaginário estamos reforçando ao dar voz aos loroteiros que de tempos em tempos, acham que a riqueza e as contradições reais de nossa História não são suficientes para seus egos preenchidos de racismo e vaidade delirantes.
Imagens que ilustram este post são da história em quadrinhos Radiant Black da Image Comics.
O texto O Mito da Verdade Paralela foi originalmente publicado no Twitter como uma thread no perfil do autor. Confira lá também!