Categorias
Colunas

Ver é diferente

Quando ver é diferente?

Me considero sensível às violências contra a democracia, muito. Viver o dia 8 de janeiro de casa, freneticamente envolvido na necessidade editorial de fazer uma cobertura adequada foi dilacerante. Mas nada superou ver os vidros ainda quebrados pessoalmente – entre quadros rasgados, tapumes, carpete queimado e banheiro insalubre. Ver é diferente, eu quebrei. 

Mas mesmo tremendo não derramei o café: seja pelo medo de fazer bagunça ou pela necessidade que me interpus de entrar, de alguma forma, em um modo semiautomático. Ninguém quer ser achado aos prantos no Palácio do Planalto.  

Banheiro quebrado - Diogo Reis - Palácio do Planalto - 2023- Blog Farofeiros

Embora a reunião fosse apenas às 16h, fomos muito bem recebidos duas horas antes: a ideia era realizar um passeio pelo Planalto. Esse “andar no Palácio” foi, para mim, ver como o caos e crime dialogaram com a legalidade e a última venceu – mesmo com prédios devastados.  

Dialogaram, digo, porque eu não acredito mais em dúvidas – há? – sobre a participação de agentes de Estado nos atos criminosos que, em sua materialidade, tanto me assustaram: primeiro em janeiro, indiretamente, depois nos meus olhos diretos e sem o eufemismo das polegadas televisivas. Precisa ser reafirmado: sem a participação da polícia militar do DF e do Exército não haveria o que vi como relicário e breve preservação do horror.  

Ao fato: há muito ainda destruído e o quadro rasgado de Di Cavalcanti me levou diretamente a uma noção de devastação humana que estava incomodamente ali: pensei nos quem, porquês, pensei em muito: para nenhuma pergunta feita a mim mesmo tive resposta. Eu estava ainda presenciando o dia do ataque em seus resquícios nada mínimos de uma brutalidade civilizatória – que não é nem respeitável nem civilizada, embora nada negue, agora, que não tenha tido seu tempero militar.  

Terminado o passeio, todo modo, fomos nós ao Salão Supremo para sermos recebidos por Janja, primeira-dama, e por Lula, presidente do Brasil pela terceira vez – o único sob tal feito, por sinal. Impunha-se uma diversidade inédita para os últimos tempos, tanto quanto aos grupos sociais e culturais quanto em relação às plataformas que fazem uso para amplificarem suas vozes. Muitas mulheres, fiz questão de notar. Eu acreditava que uma articulação de tal nível – porque sim, há um nível e um entendimento de articulação que são importantes aí – era imaginável. Mas, mais uma vez, ver é diferente.  

Novamente foi o modo “segura as pontas” o que me salvou: eu não estava ali para a tietagem, para a fotografia de fã, para o empreendimento de enormes rasgos em sedas para pessoas que – até o dia anterior – eu jamais esperaria encontrar. Meu eu que assiste televisão e admira diversas militâncias teria que esperar porque estava, eu mesmo, aparentemente no mesmo lugar: convidados todos para discutir estratégias para a defesa da democracia e formas de informar a população sobre atos de governo sem aderir politicamente a ele, bem, eu era mais um. Levava comigo quase 150 mil pessoas.  

Diogo Reis - Palácio do Planalto - 2023

No sentido do que senti e sinto ao relembrar os cacos de louça e vidros rachados no Palácio do Planalto, sede do Executivo, penso: me fez bem estar presente – definitivamente sem jamais cogitar uma adesão política cega.

Ausente a censura necessária no autoritarismo, sem as preocupações que seriam inevitáveis em uma derrota do Estado. Imaginei que seríamos assim, tendo vencido a Democracia. Mas ver também é diferente. E excepcionalmente interessante.  

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *