Rio de Janeiro é uma cidade conformada, aqui explico o porquê.
Os olhos do Brasil mais uma vez se voltam para o Rio de Janeiro. A dita Cidade Maravilhosa dos cartões postais e da maior festa popular do mundo ganha destaque não por suas belezas naturais, mas pela sua face oculta, muito conhecida de todos os cariocas há bastante tempo. A pergunta que todos fazem agora é porque o Rio de Janeiro está do jeito que está, e a resposta é simples e sempre esteve na cara de todos: a culpa é dos cariocas. Por isso digo que o Rio de Janeiro é uma cidade conformada.
Na minha rua, um homem tentou matar um pitbull enrolado em sacos de entulho, fios, saco de lixo e uma corta. Ele o arremessou em uma caçamba na minha rua. O caso tomou uma proporção estrondosa, chegando, inclusive, no DF. Coragem se foi, deixou saudade, indignação, um misto de sentimentos que só quem passou a última semana com ele vai saber. O que leva alguém a realizar esse ato de crueldade sem nem pestanejar é o que todos por aqui comentam quando se encontram no mercado ou na rua.
O Brasil acompanha também a prisão dos suspeitos de mandarem matar a vereadora Marielle Franco e que terminaram na morte também de seu motorista, Anderson Gomes, em 14 de março de 2018. Entre os suspeitos, os super conhecidos Irmãos Brazão, com mais de 30 anos de vida pública na cidade, policiais da Homicídios e, claro, milicianos. Após anos de espera, o caso começa a ganhar uma luz para desvendar o bárbaro assassinato que chocou o país. O que leva alguém a planejar um ato de crueldade sem nem pestanejar é a pergunta que o Brasil se faz nesse momento.
Longe de mim comparar o caso do Coragem com o da Marielle e Anderson, mas quero pedir a você um exercício de análise dos fatos desses dois casos e permita que a sua mente puxe pela memória as outras vezes que isso aconteceu em terras cariocas.
Ambos os casos tiveram a certeza da impunidade, a confiança de que a população do Rio de Janeiro esqueceria mais uma vez com a famosa frase “Não adianta, não vai mudar nunca”. E é uma atitude que qualquer um percebe em qualquer conversa um pouco mais séria, e é por isso que políticos que se apresentam como salvadores da pátria, soluções fáceis e sorrisos largos sempre são campeões de votos em cada eleição, é onde eles se criam, já que a população, inerte, preguiçosa e postergadora se sente em uma posição tão superior, resquícios de um comportamento imperialista, terceirizam a solução do problema e priorizam a banalização da solução. Eles são superiores demais para se admitirem responsáveis pelo problema que nossa cidade vem enfrentando há décadas.
O carioca aceita o trem lotado e caindo aos pedaços desde que me conheço por gente. Ele aceita o ônibus sem ar condicionado nos 40 graus do verão. Ele aceita ser tratado como lixo por empresas de prestação de serviços pagos, é como se estivessem fazendo um favor para ele. O carioca aceita chegar quase morrendo em uma Unidade de Pronto Atendimento e nem ser tocado durante a avaliação porque ele tem receio de que o médico não vá dar a devida atenção. O carioca aceita o trânsito caótico para chegar ao trabalho e voltar para casa. O carioca aceita não ter acesso ao que lhe é de direito por morar aqui. Ele aceita migalhas e está acostumado a aceitar migalhas.
E quando alguém decide fazer um barulho em prol deles, esse alguém é tratado como o estranho, o outsider, aquele que quer aparecer, não sei se por medo ou porque o carioca esqueceu que temos direitos e é nossa obrigação cobrar por solução. Ele não quer se meter, porque “Não vai adiantar nada”.
Já passou da hora de assumirmos a nossa responsabilidade de cidadão e colocar sim a cara a tapa e cobrar soluções a quem tem a responsabilidade de executá-las, começando pelas urnas e avaliando de forma sistêmica quem tem condições de atender as necessidades da população do Rio de Janeiro de uma vez por todas. O Rio está do jeito que está por culpa, principalmente, de seus moradores. A impunidade permeia nossa cidade porque o carioca permitiu por anos que ela criasse raízes sociais tão profundas que é quase terminal extraí-las.
A maior culpa da Cidade Maravilha ser um purgatório da beleza e do caos é da população que permite governos misturados, camuflados, paralelos, sorrateiros, ocultando comandos na cidade sangue quente que só tem apresentado o pior do Brasil, o nosso silêncio.
Volto a qualquer momento com mais alguma coisa que me faz arrancar os cabelos da sobrancelha.