Vamos falar mal de Kingsman 3? Vamos.
Tirei férias recentemente e, durante o vôo fiz a única coisa proveitosa que é pegar avião: ver os filme disponibilizados pela companhia aérea naquela televisãozinha com entrada de fone de ouvido que SEMPRE tá com mau contato. No vôo de ida, o qual dormi pouquíssimo, revi Deadpool 2 e assisti o terceiro filme da franquia Kingsman. Já havia visto os outros 2 anteriores mas confesso que os argumentos dos filmes me passaram batido. Lembro de serem odes à Inglaterra, à monarquia e ao serviço secreto inglês; máquina de propaganda, claro. Então preciso falar mal de Kingsman 3 agora.
Bom, botei o filme e logo no primeiro arco minhas antenas anti-neoliberalismo apitaram de forma conflituosa: o filme começa num campo de concentração de ‘propriedade’ inglesa em algum país da África que me falta à memória. Ali apresentam o protagonista e a esposa que, num gesto “nobre e de boa vontade” diz que os escravos deveriam receber água e comida – ora, como são benevolentes os ingleses, não é mesmo? Neste momento eu me perguntei se estava diante de uma máquina de propaganda ou de uma leitura história revisionista sobre as barbáries que a Inglaterra do século 20 e 21 causou (e ainda causa) na periferia do capital.
Fiquei interessado. O filme desenrola, é apresentado um vilão nas sombras digno de conspirações de extrema direita e que comanda as grandes mudanças geopolíticas. Passamos por Rasputin, o mago da monarquia russa pré-revolução e por outros personagens históricos da primeira guerra mundial. Aqui faço um elogio: as cenas de luta, sobretudo as do Rasputin são gravadas e coreografadas com maestria. É raro ver algo assim no cinema mainstream.
O problema é que qualidade do filme para aí. Após o arco com Rasputin o que começa é um revisionismo histórico totalmente irreal e de propagando anti comunista e colonial. Começam a pintar a Inglaterra como essa defensora da liberdade e anti ditatorial que é totalmente irreal historicamente falando. A Inglaterra, antes do nazismo era o grande vilão geopolítico mundial que invadia países como China e Índia e os mantinha sob o cabresto do imperialismo. A Inglaterra, bem como os países do centro imperialista do século 20 nunca decidiram entrar em guerra contra a Alemanha por causa do nazismo e do holocausto, o interesse do imperialismo ocidental ali sempre foi domínio territorial e capitalista/de meios de produção.
Bom, o filme anda com toda essa narrativa, a primeira guerra tá torando e aí o vilão, que antes manipulava o império alemão e o império russo e ao cairem ambos, em determinado momento aparece manipulando o próprio Vladmir Lenin e tentando convencê-lo a fazer a revolução russa para substituir a monarquia russo. Amigos, pelo amor de deus. Não teria como um líder puxar todo um campesinato de um país, remodelar totalmente a estrutura e a mobilidade social, promover o maior avanço industrial em curto prazo da história da humanidade só porque ele servia a um “agente das sombras conspiracionista”. Além de impossível isso é anacrônico, desrespeitoso e, devo dizer, algo de puro mau cartismo. Propaganda anticomunista descarada. Não chega nem ao nível de Stranger Things que usou uma prisão usada para campo de concentração nazista para retratar um QG soviético. E olha que ali Stranger Things também se esforçou.
O filme, depois de toda a tentativa de se mostrar épico do ponto de vista inglês, descamba para o arco final num estilo Heist (o famoso assalto à banco, bunker; etc.) a luta final acontece, o serviço secreto da alfaiataria inglesa é consolidado e a voilà! Temos uma peça irresponsável e mau intencionada rodando os cinemas do mundo todo.
Acredito que deve sim haver liberdade criativa para rever a história em mídias de cultura pop; O final de Bastardos Inglórios é um excelente exemplo disso. Agora, outra coisa é querer tentar parecer criativo sob o manto do mau cartismo neoliberal. Isso não é tolerável e muito menos, HISTORICAMENTE FALANDO, aceitável.
Kingsman é um desserviço propagandístico deste modelo econômico cruel que vivemos e que, sem a menor cara de pau, tenta posar como o bom moço da história. Deveriam ter se mantido nas cenas de luta.
Notas:
- 0 farofas enquanto índole.
- 7 farofas enquanto coreografia de luta.
- 0 farofas (Sequer merece nota) pelo ultraje à inteligência humana.
Uma resposta em “Preciso falar (mal) de Kingsman 3”
muito inteligente a essa sua leitura do filme, parabéns. A propaganda anticomunista presente no filme foi feita de forma completamente irresponsável. Eu como historiador me contorci no sofá assistindo esse filme. nota Dó.