Oppenheimer é genérico e perigoso, como o History Channel.
Eu iria começar falando que “Oppenheimer” é, em última análise, um filme baseado em um artigo de Wikipedia com 3 horas de duração. Mas daí eu seria injusto, pois um artigo simples e cheio de fatos sobre J. Robert Oppenheimer, o físico cuja liderança do Projeto Manhattan, durante a Segunda Guerra Mundial, produziu a bomba atômica , oferece mais complexidade e detalhes mais atraentes do que o roteiro de Nolan.
Julius Robert Oppenheimer (1904 – 1967) teve inúmeras contribuições para a Física, que vão da mecânica quântica, passando por um melhor entendimento do que são os buracos negros e raios cósmicos. Foi um importante divulgador científico e defensor da não proliferação das armas nucleares.
Claro que o filme que está ainda em cartaz não nos deixa esquecer de sua mais conhecida realização. Oppenheimer chefiou o infame Projeto Manhattan, que criou as primeiras bombas atômicas, duas das quais foram usadas contra as populações civis de Hiroshima e Nagasaki em agosto de 1945 no desfecho da guerra entre EUA com o Império do Japão (1941-1945). Sua participação na criação das bombas o assombrou pelo resto da vida.
Quando foi noticiado que Christopher Nolan iria dirigir um filme sobre a vida de Oppenheimer com destaque na sua participação do Projeto Manhattan e sua militância contra a fabricação de novas bombas, achei que poderia haver potencial. Os cartazes davam um tom assombroso para a divulgação (não costumo ver trailers desde que um deles entregou todo o desfecho de Batman V Superman).
Daí entre uma parte dos preparativos para a chegada do Joelhinho e outra, me reservo ao direito de ver o filme. E, desculpem os fãs de Nolan e do Cillian Murphy, mas este filme é bem abaixo do mediano.
Os efeitos são excelentes. A recriação do teste Trinity ficou impecável. Figurinos perfeitos. Atuações ótimas (Fazia tempo que não via o Matt Damon trabalhar tão bem e finalmente o Robert Downey Jr. parou de fazer uma versão diferente de Tony Stark). O problema não está aí.
Pegaram uma vida que poderia tornar-se um grande drama de guerra envolvendo culpa, busca por redenção, vaidade e um senso de urgência que nublou os pensamentos de um homem da ciência em mero thriler político.
Em dado momento do filme fala-se sobre o perigo que seria se os nazistas tivessem a bomba. Não existe sombra de dúvida que isto seria um desastre. Mas os ataques à Hiroshima e Nagasaki estão os atos mais infames da História e praticamente desaparecem no roteiro preguiçoso de Nolan.
Boa parte do filme concentra-se no envolvimento de Oppenheimer com o Partido Comunista Americano e sobre como isto foi usado por seus inimigos políticos para defenestrá-lo da vida pública. Como eu disse, um thriler político com ótimas atuações e péssimo roteiro.
Existe uma infinidade de material que aborda a guerra, suas incoerências, suas injustiças, suas violências. Quer Segunda Guerra Mundial? Assista aos dois filmes de Clint Eastwood de 2006, sobre a Guerra do Pacífico com destaque para a batalha de Iwo Jima, “A Conquista da Honra” que foca o lado americano e “Cartas de Iwo Jima” que mostra o lado japonês. Ambos sem concessões. Ambos mostrando sem glorificar a guerra.
Quer algo sobre tecnologia e perseguição de um governo contra quem justamente ajudou a derrotar os nazistas? Assista o recente “O jogo da imitação” de 2014 que conta a história de Alan Turing, brilhantemente interpretado por Benedict Cumberbatch.
Quer sobre a bomba? Procure ler ou assistir “Gen Pés Descalços” (Hadashi no Gen). O mangá é de 1973 e o desenho é de 1983. A cena da explosão atômica de Hiroshima e o que veio logo depois são 10 minutos que fazem as três horas de Oppenheimer chorar de vergonha.
Não é só questão de não mostrar o que aconteceu de fato no Japão e que impressionou tanto o verdadeiro Oppenheimer. Todos os exemplos de material que dei têm em comum serem completamente críticos à guerra, sem qualquer argumentação.
O que Nolan fez foi novamente contar a história do herói incompreendido. Aquele sujeito que tomou uma decisão difícil por uma boa razão e todos o perseguem por isto. Um homem (todos os filmes de Nolan são centrados em homens) que salvou a humanidade do grande Mal e só ganhou a ingratidão.
Por isto que os red pills da vida correram para este filme para fugirem de Barbie. Nolan tirou toda a complexidade da figura histórica, manteve uma dose de drama e entregou uma trama confortável, onde no fim o bem venceu e ele foi reabilitado por Lyndon Johnson, só o sujeito que colocou os dois pés dos EUA de vez no Vietnã e produziu aquela barbaridade toda.
A verdade é que Oppenheimer não passa daquele tipo de filme que pessoas que querem se deslumbrar com a destruição mas não abrem mão de um verniz de inteligência. Leia o artigo do Wikipedia sobre Oppenheimer e o Projeto Manhattan, aposto que você ganha mais.