Era uma manhã qualquer na sala dos professores. O café estava morno, as cadeiras rangiam a cada movimento e o relógio parecia preguiçoso para avançar até o próximo período de aula.
Foi então que notei a professora Cláudia (Nome fictício) sentada num canto, cabisbaixa, girando distraidamente a alça da xícara. Cláudia não era do tipo de esbanjar sorrisos a cada segundo, mas aquela cara tinha algo mais. Sem muita intimidade, decidi arriscar:
— Tá tudo bem, Cláudia?
Ela suspirou fundo e, com um olhar de derrota, revelou o motivo da sua angústia:
— Fui chamada na sala da diretora. Levei uma advertência verbal e ameaça de uma advertência formal.
— Mas o que aconteceu? Você brigou com algum aluno? Deu uma resposta atravessada pra algum pai?
Ela negou com a cabeça e soltou:
— Postei uma foto de cerveja no Orkut.
Pisquei algumas vezes, esperando o punchline da piada, mas ela parecia muito séria.
— Como assim? Que foto?
— No feriado prolongado fui ao aniversário de uma amiga. A festa foi animada e, bom… a gente empilhou as latas de cerveja e fez uma pirâmide. A gente tirou foto do lado, achei engraçado e postei no Orkut.
— Certo… e daí?
— Daí que eu tinha alguns alunos adicionados no Orkut. E, aparentemente, um deles é parente da diretora.
Meu queixo caiu antes mesmo de conseguir formular qualquer pensamento coerente.
— Espera. Você foi repreendida por uma foto de… latas de cerveja?
— Sim.
— Era uma escola na foto?
— Não.
— Você tava nua, segurando um cartaz dizendo “odeio meu trabalho”?
— Não. Eu só tava… sorrindo do lado da pirâmide de latinhas.
Senti a indignação crescer dentro de mim. Desde quando professor não pode tomar cerveja? Ou melhor, desde quando o professor não pode EXISTIR fora da escola?
— E o que a diretora disse?
— Que eu precisava ter mais cuidado com a imagem da escola. Quem posta uma foto assim “passa a mensagem errada” aos pais.
— A mensagem errada de que você se diverte e tem vida social?
Cláudia riu, talvez ela não esperasse de mim empatia.
Nunca soubemos se o aluno contou ou se a diretora usava o perfil dele para bisbilhotar os professores.
Mas fiquei revoltada. Revoltada porque, no fundo, sabia que aquilo não era um caso isolado. Professor não pode sair de casa, não pode reclamar do salário, não pode dizer que tem dias ruins e, aparentemente, não pode nem postar uma foto besta tomando cerveja num feriado.
Olhei para Cláudia e ergui minha xícara de café num brinde e falei:
— Na próxima festa, me chama. Eu mesma seguro as latinhas pra você.
Ela sorriu. E no mundo offline, sem que nenhuma diretora pudesse vigiar, combinamos ali um pacto de sobrevivência docente: privamos nossos álbuns do Orkut, alertamos os colegas mais chegados sobre o ocorrido. Se quisessem achar outra pirâmide de latinhas ou qualquer coisa sobre nossa vida fora da escola, teriam que invadir os perfis.