Decidi passar algumas horas distante das redes sociais aproveitando o tempo em família. Quando decidi ficar on-line, uma enxurrada de comentários sobre Eduardo Bolsonaro e seu desprezo aos professores havia tomado conta da minha timeline e decidi assistir ao vídeo do deputado.
Durante um evento pró-armas, Eduardo decidiu que era de bom tom comparar professores – que ele chama de doutrinadores – a traficantes. O tom de voz, a agressividade na fala e a forma como os ataques aos docentes ocorrem por parte dele e de outros bolsonaristas parecem, cada vez mais, sistematizados e com um objetivo: destruir e sucatear ainda mais a educação pública de base.
É lamentável que diante de tantos ataques às escolas como os que temos observado nos últimos anos, a gente ainda precise discutir sobre a importância da escola e dos professores na vida e no cotidiano de crianças e adolescentes.
O educador, em 2023, ainda precisa se defender daquilo que nunca fez. E não estamos aqui falando de qualquer pessoa que use seu ambiente de trabalho, ou seu lugar superior em uma hierarquia, para pregar política partidária ou sujeitar quem está em uma situação de vulnerabilidade a discursos acirrados políticos.
Aqui estamos falando de milhares de professores que no dia a dia são agredidos, violados e tem seus direitos tolhidos porque falas como essa se perpetuam. Professores que nunca citaram suas predileções políticas em sala de aula, mas que são acusados de doutrinadores porque postaram uma foto com uma bandeira ou uma toalha nas eleições.
Estamos falando de professores que são agredidos – física e emocionalmente – todos os dias dentro dos seus espaços de trabalho por estudantes e pais que acreditam na lógica do “professor doutrinador” que não trabalha conteúdos e apenas ideologias. Educadores que são ofendidos e destratados porque o processo ensino-aprendizado é via de mão dupla e quando o estudante fracassa em notas a responsabilidade recai sobre o professor.
E não é incomum que no fracasso das notas o fazer e o agir dos pais seja o de responsabilizar um suposto uso do espaço docente para pregações ideológicas, quando professor mal teve tempo de beber água ou fazer uma refeição adequada devido a excessiva carga de trabalho. Quem dirá que o professor terá tempo de preparar um discurso marxista e idealizado para supostamente pregar o comunismo em sala de aula (seja lá o conceito de comunismo que alguns usam por aí).
Mas voltando ao discurso do Eduardo Bolsonaro…
Nós sabemos que no calor de períodos eleitorais, às vezes, um professor pode acabar falando em sala de aula sobre suas opções de voto ou tecendo algumas críticas aos candidatos. No calor do momento, com os estudantes perguntando constantemente seu voto, falar abertamente sobre isso não é um crime, principalmente se você transformar isso em um momento para que estudantes também coloquem suas opiniões de forma respeitosa e ensinar na prática o que significa democracia e direito ao voto.
E não existe aqui nenhum “mas” ou “porém”. Se a Ana Campagnolo deu aulas usando uma camiseta do Jair Bolsonaro em 2018, não existe justificativa para a direita impedir que um professor cite que votou no candidato de oposição.
Outro ponto fundamental: quando a direita aplica a fala do “professor doutrinador” a leitura feita por pessoas pouco politizadas ou que não costumam frequentar espaços escolares é a de que todos os profissionais da educação são comunistas e usam as aulas somente para proferir discursos pró-esquerda. Quando na verdade o educador não consegue colocar em prática nem seu próprio plano de trabalho porque falta tempo, recursos, material didático e há tantas falhas no ensino que um professor precisa retomar conteúdos de séries anteriores constantemente.
Além desse ponto anterior, é sabido que professores são pessoas comuns e usam redes sociais. A livre manifestação, vedado anonimato, é Constitucional e não existem regras de uso de redes sociais ou artigos nos estatutos do magistério que impeçam um profissional da educação de expor ideias e opiniões em suas redes sociais.
Traduzindo: se um professor postou foto com bandeira do Brasil e um 22 estampado na testa ou se postou foto com uma toalha do Lula na praia não há qualquer relação disso com o trabalho docente. A opinião do professor, sua escolha de voto, seus ideais de um país não dizem respeito aos estudantes e menos ainda aos pais deles. Perseguir, menosprezar ou agredir um professor pelo que ele posta nas redes é, no mínimo, criminoso.
E aqui caberia diversas histórias que passei ao longo da minha carreira enquanto profissional da educação e, quem sabe, eu escreva mais sobre isso em algum momento.
Por hora cabe refletir se a gente quer um país onde o professor não tem liberdade de ser cidadão de direitos (o que significa implementação de uma ditadura nos modelos tão criticados pela direita) ou se queremos um país livre e democrático.