Não! Não Olhe! é um filme que você precisa ver.
Não! Não Olhe!, do diretor Jordan Peele, reclama da espetacularização da exploração animal e tem todos os ingredientes para ser o grande candidato ao Oscars 2023.
Filme de terror geralmente tem aquele plot costumeiro: uma ameaça horrenda que de repente começa a sondar a vida de X grupos de pessoas, sustos no meio do silêncio, você pula da cadeira, em algum momento tudo se mancha de sangue até que, enfim, alguém descobre como acaba com alguma maldição lançada lá pela idade média.
Não! Não olhe! ou NOPE do Jordan Peele (Corra, NÓS) ~parece~ que tem esses requisitos mas não, ou melhor, NOPE. Digo, boa parte do plot clássico tá lá presente mas o filme que é com certeza o melhor terror de 2022 durante 3/4 da sua duração traz novidades ou recursos de estrutura menos usuais para um filme de terror.
A primeira é com certeza de narrativa. Quebrar o filme em capítulos é um recurso que cria suspense de quebra cabeças.
A segunda novidade é o fato de Peelle gravar praticamente todo o filme durante o dia ou não usar a escuridão da noite como recurso de medo, apenas contextual do filme mesmo, sem grandes clichês e isso fica bem evidente durante certa cena onde o aquele SCARY JUMP acontece não no escuro da noite, mas após a luz do ambiente onde o protagonista se encontra ser acesa.
O terceiro recurso é a riqueza do roteiro que passa por inúmeros temas, personagens e mistérios sem se perder ou ficar maçante.
NOPE não é exatamente sobre pessoas correndo de uma ameaça não natural mas sobre caça. Cada capítulo fala sobre um animal específico e trata de dar o fim para cada um também. No meio da trama Peelle inclusive apela para um evento que aparentemente é baseado em uma história real. OK, eu sei, é muita coisa, vamos por partes aqui:
NOPE é um filme sobre espetáculo, respeito e exploração animal.
Todo o fio principal do filme gira em torno de uma ameaça alienígena e como ela se relaciona com um ataque de chimpanzé que ocorreu durante a gravação de uma sitcom nos anos 90. No episódio, um dos chimpanzés de nome Gordy e que compunha o elenco, mata 2 pessoas num rampage repentino deixando vivo apenas um garoto e uma garota, ambos irmãos na trama da série. Isso é apresentado logo no início do filme e faz uma ponte extremamente bem executada sobre um ser alienígena que devora cavalos e que é explorando pelo mesmo garoto sobrevivente do ataque de Gordy, agora crescido interpretado por Steven Yeun (aquele Glen de The Walking Dead).
Peelle, grande diretor e roteirista que é, amarra estes dois eventos com a história de OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer), ambos treinadores de cavalo para filmes de Hollywood que seguem os passos do pai, também treinando e famoso no meio. Acontece que o pai morre após uma moeda cair do céu diretamente em sua cabeça e aí temos um OJ vivendo no luto ao mesmo tempo que intrigado sobre o que aconteceu ao pai. Tudo isso leva o protagonista a investigar uma entidade estranha que assombra os cavalos e que, ao que tudo indica, pode muito bem ser um OVNI (ou um “milagre ruim” que é como menciona o causo para sua irmã, Em).
Bom, diante desse plot intrincado, personagens carismáticos, sustos e mistérios, NOPE se desenrola como um filme de denúncia à exploração midiática de animais e como isso passa batido na vida real, escondido pelo espetáculo em si. No caso, o OVNI ou ser alienígena, que ao se sentir traído ou enganado em certo momento do filme, decide caçar aqueles que o trapacearam.
OJ faz o contraponto ao ser extraterrestre animalesco por ter a experiência e capacidade de domar animais. Kaluuya brilha em sua atuação com um personagem menos carismático que os anteriores que interpretou ou até mesmo em seu trabalho com Peelle em CORRA!. Aqui ele está mais sério e introspectivo deixando toda a energia e para sua irmã. O trio Kaluuya, Keke e Angel Torres (Brandon Perea) são um deleite quando estão juntos e em sinergia.
Passando rapidamente sobre o título “NOPE”, é curioso como a tradução brasileira faz jus ao filme na forma literal – o sufixo “Não olhe!” Foi retirado de um contexto específico da relação caça/caçador mencionado por OJ durante o roteiro. Entretanto o nome em inglês carrega o tom cômico de como OJ lida com a ameaça em determinada situação, digna de quando nós brincamos lidar às vezes, por exemplo, com aranhas e baratas em casa: “faço as malas e vou embora”; ou apenas dizemos “Não, eu que não vou lidar com isso”; “NOPE!”, “Não! Não Olhe!”.
NOPE tem tudo para ser indicado e até levar o Oscars de 2022. Além de ser feito com maestria tem ingredientes que o tornam um queridinho da academia. Para além deste plot riquíssimo onde animais, domadores, Hollywood e história do cinema, o Filme passa até pelo gênero western spaghetti. Onde tudo isso se encontra, NOPE surpreende por não ser apenas um filme de terror mas uma excelente história contada, um causo maravilhoso daqueles de cidade pequena.