Wakanda para Sempre mistura homenagem com um tímido anti imperialismo.
A crítica a seguir apresenta spoilers de Pantera Negra 2 – Wakanda para Sempre. Se preferir temos uma análise sem spoilers mais antiga.
Agora que TODO MUNDO assistiu Wakanda para Sempre (espero), posso comentar tranquilamente que esse novo filme veio pra fazer a mea culpa com Killmonger. Ele não estava errado. Talvez não estivesse exatamente correto, mas a angústia que o motivava nunca foi sanada por T’Challa mesmo o Pantera Negra tenha tentado mudar a postura de Wakanda em relação ao resto do mundo.
O filme faz uma belíssima homenagem a Chadwick Boseman e ao legado que ele deixou no mundo real. Perdemos, de novo, um ícone negro que toda criança preta olha e tem vontade de ser igual. Chadwick encarnou o herói em todos os sentidos e ultrapassou a mídia filme com um impacto positivo brutal na realidade. Do começo ao fim o filme reverencia O Pantera com momentos dignos de choro de perda e beleza. Quando Shuri, desesperada, tenta achar a cura pra doença do personagem e o riquíssimo e afro-futurista velório do Rei de Wakanda são memoráveis. Talvez a maior dificuldade era como construir essa narrativa sem desrespeitar tanto o ator, o personagem e o seu legado e o diretor Ryan Coogler teve mérito em alcançar esse objetivo.
Além da homenagem há um outro argumento central pro filme que é o desenvolvimento da passagem de bastão para o próximo Pantera Negra (ou próximos, como falarei adiante).
O legado é tão grande que foi necessário criar uma construção de perda e responsabilidade de altíssimo grau para Shuri assumir o manto da pantera. A perda do irmão se junta ao sentimento de ter falhado em achar a cura; mais pra frente ela coloca Wakanda sob ataque de Namor e ainda por cima perde a própria mãe. Toda essa jornada de dor compõe o pilar de transformação para que Shuri buscasse um meio de recriar o Pantera Negra e o abraçasse para si.
Bom, até aqui isso faz sentido, mas me incomodou muito o modo como a Rainha de Wakanda é morta: de forma pouco sensível pareceu quase um erro de continuidade. Cabiam 2 ou 3 minutos de cuidado na despedida que acrescentariam e muito na jornada de heroína de Shuri.
Se não bastasse esse descuido, Hollywood nos apresenta Namor como um “anti vilão”: ele quer o mesmo que Shuri; defender o próprio povo e reino contra os interesses imperialistas dos Estados Unidos que, pra variar, está procurando meios de obter vibranium, matéria prima já sabidamente abundante em Wakanda e, agora estabelecido, em Atlântida. Namor propõe a Shuri uma união entre ambos os reinos a fim de se defenderem da ameaça estrangeira e o desenrolar do filme acaba por arruinar esse plano colocando ambos um contra o outro.
Se por um lado o debate mainstream evita ao máximo tocar no assunto anticolonial, em Wakanda F. Ele toca a superfície mas não resiste em novamente colocar dois povos passíveis de opressão um contra o outro a bel prazer dos interesses da CIA e das inúmeras agências de espionagem do norte global. Foi terrivelmente incômodo ver os sub-Mariners, que representam os povos originários da América, lutando até a morte contra africanos de Wakanda. Entendo totalmente a motivação mas discordo profundamente dos meios usados.
É possível que a produção do filme tenha percebido isso já que finalizam a história com ambos os reinos inteiros e Namor e Shuri vivos para as próximas aventuras mas a cruel morte da mãe da nova Pantera Negra, ao meu ver, inviabiliza qualquer tipo de união entre povos num movimento anti imperialismo. Hollywood soube homenagear um ícone da ideologia anti colonial ao mesmo tempo em que aponta o dedo com toda proposital má vontade para a periferia do mundo como quem diz “estou com vocês até que não seja mais do meu interesse”.
No mais, é bastante evidente que Shuri será a Pantera Negra daqui pra frente, porém não será só ela. A visão que ela teve ao tomar o chá da flor azul não foi uma visão como a de T’Challa que foi recebido pelo pai e pelos ancestrais na sombra da árvore da vida. Shuri recebe a visão de Killmonger e esse talvez seja o ponto mais simbólico do filme: Se N’Jadaka representava a ruptura revolucionária contra séculos de escravidão e extermínio, T’Challa era um reformista preocupado em fazer uma transição por dentro do sistema. Shuri portando se coloca no meio dos dois mas para que a régua seja levada mais pro lado do que Killmonger defendia, talvez sem o mesmo ímpeto bélico e revolucionário mas com certeza muito mais preocupada com o que Wakanda pode fazer pelos povos periféricos do mundo, motivo pelo qual Namor saiu vivo do confronto.
Acredito que veremos proximamente uma Pantera Negra (shuri) preocupada com assuntos internos de Wakanda e pela luta anti imperialista na periferia global e UM OUTRO Pantera atuando em simultâneo nas aventuras dos Vingadores.
Obrigado Chadwick.