Análise do filme Megalópolis, de Francis Ford Coppola.
Dirigido por Francis Ford Coppola, Megalópolis é uma obra que desafia as convenções narrativas tradicionais, remetendo à mesma atmosfera de Mr. Nobody (2009)¹ e, sobretudo, Synecdoche: New York (2008)². A aparente falta de linearidade e nó na cabeça que o filme provoca são características marcantes que podem desconcertar o espectador acostumado a estruturas mais convencionais, mas isso não necessariamente é algo ruim. É mais um filme pra sentir do que pra apenas ver.
O tempo é um personagem ativo no filme; é impossível não captar as alegorias com passado, futuro, presente, história e imortalidade colidindo entre si com força e caos. Essa abordagem intensifica a sensação de desorientação, mas também enriquece a narrativa, oferecendo múltiplas camadas para interpretação.
Apesar da estranheza causada pela edição não linear, é revigorante ver um diretor que se preocupa mais com a arte de fazer cinema do que com bilheterias ou críticas. Coppola demonstra uma liberdade criativa que raramente vemos em produções de grande escala atualmente.
As atuações, no entanto, deixam um pouco a desejar. Há uma superficialidade nas performances que impede o público de se conectar profundamente com os personagens, mesmo com os protagonistas Caesar Catalina, Julia e Cicero. Me lembrou um pouco de Annette (2021)³ que também tem o Driver como protagonista e também tem a mesma estranheza nas atuações.
Historicamente falando o filme bebe muito da Conspiração Catilina de 65 a.C, com Cícero e Catalina “reencenando” no filme o que rolou no Senado Romano entre Catilina e Cícero:
“Insatisfeito com sua exclusão política e econômica, Catilina reuniu nobres falidos e soldados para tentar derrubar o Senado. Sua promessa de cancelamento de dívidas atraiu apoio popular.
Cícero, então cônsul, denunciou a conspiração no Senado por meio de seus famosos discursos, conhecidos como “Catilinárias”. Ele expôs planos de incêndio em Roma e assassinatos de líderes políticos. O Senado deu a Cícero poderes especiais para conter o golpe.
Os conspiradores em Roma foram presos e executados sem julgamento, o que gerou debate sobre abuso de poder. Catilina, após fugir, enfrentou o exército romano em Pistoia e morreu em combate.“
Inclusive a cena do “Pão e Circo” onde Cícero toma a palavra e denuncia Catalina exigindo sua renúncia e prisão é referência direta à denúncia que Cícero fez da Conspiração Catilina em 63 a.C.
Continuando na História, Coppola utiliza nuances fascistas na representação da Nova Roma, mas de forma caricatural, alinhando-se à ideia de que “a história se repete como farsa”. O personagem Clodio exemplifica isso, com sua manipulação das massas, o populismo exacerbado e sua morte pelas próprias pessoas que manipulou, sendo pendurado de cabeça para baixo, em uma clara alusão ao destino de Mussolini.
O desfecho do filme, contudo, deixa a desejar pra mim. Talvez pela expectativa criada ao longo da narrativa, o final parece não alcançar o mesmo nível de profundidade e impacto que o restante da obra propõe. Parece um corte rápido, quando não se sabe como terminar. “Deu por hoje galera, fecha conta e passa régua”.
Assim como Mr. Nobody e Synecdoche: New York, Megalópolis provavelmente se tornará um filme cult no futuro. A visão de Coppola pode não ser plenamente compreendida ou apreciada no momento, mas é provável que seja mais valorizada com o passar do tempo, à medida que os espectadores revisitarem e refletirem sobre sua complexidade e ousadia artística.
Nota: 3,5/5
Filmes citados no texto:
1. Mr. Nobody (2009)
O filme gira em torno de Nemo Nobody, interpretado por Jared Leto, o último homem mortal em um futuro onde a humanidade alcançou a imortalidade. Aos 118 anos, Nemo relembra sua vida e conta diferentes versões de como ela poderia ter se desenrolado, dependendo de escolhas feitas no passado.
O ponto central ocorre quando, ainda criança, Nemo deve escolher entre ficar com seu pai ou sua mãe após o divórcio. Essa decisão fragmenta sua vida em várias possibilidades, exploradas simultaneamente no filme. As diferentes linhas temporais incluem múltiplos relacionamentos amorosos, profissões e até causas de sua morte, mostrando como cada escolha cria um novo “universo”.
2. Synecdoche: New York (2008)
O filme acompanha Caden Cotard, interpretado por Philip Seymour Hoffman, um diretor teatral que vive em Schenectady, Nova York. Caden está enfrentando crises em diversas áreas de sua vida: saúde debilitada, um casamento em colapso com sua esposa Adele (Catherine Keener), e uma sensação crescente de insignificância em seu trabalho.
Quando recebe uma bolsa de arte, ele decide criar uma peça monumental que retrate a realidade da vida de maneira inigualável. Para isso, Caden aluga um enorme armazém e começa a construir uma réplica em escala real de Nova York dentro do galpão. A peça cresce em complexidade, com Caden e sua equipe recriando versões das pessoas de sua vida, incluindo ele próprio. O filme embarca em uma jornada cada vez mais surreal, explorando temas como a mortalidade, o fracasso, a busca por significado e a dificuldade de se conectar com os outros.
3. Annette (2021)
A trama segue Henry McHenry (Adam Driver), um comediante provocador e autodestrutivo, e Ann Desfranoux (Marion Cotillard), uma renomada cantora de ópera. O casal vive um relacionamento intenso e tumultuado que culmina no nascimento de sua filha, Annette, uma criança misteriosa representada como uma marionete.
Conforme a fama de Ann cresce, a carreira de Henry entra em declínio. Sua inveja e instabilidade emocional levam a tragédias, incluindo a morte de Ann em circunstâncias sombrias. Henry então tenta explorar o talento sobrenatural de Annette, que possui uma voz celestial, para recuperar sua própria relevância. O filme caminha para um desfecho dramático que mistura elementos de redenção e punição.