Infelizmente as loot boxes não foram proibidas no Brasil.
A denúncia feita pelo o Youtuber Felca movimentou o poder legislativo, enquanto diversos políticos agiram para surfar na onda da viralização do vídeo. Senadores, deputados e até vereadores começaram a fomentar a chamada Lei Felca mas a extrema-direita não contava que isso alavancasse a ECA Digital que, entre outras coisas, legisla sobre alguns aspectos de games. Mas uma mecânica predatória irá continuar, as loot boxes não foram proibidas.
O Estatuto da Criança e Adolescente Digital foi aprovada para desespero de políticos de direita quem tem medo de serem “censurados” ao cometerem crimes. Como elaboramos no Farofeiros Cast, os conservadores morrem de medo de leis contra abusos, fake news e outros crimes.
A impressão é que o PL 2628/2022, de autoria de Senador Alessandro Vieira (PSDB/SE), é cheia de boas intenções no ato de sua criação, mas parece também ter sido feita às pressas, deixando muitos pontos ambíguos. E isto por que focamos em analisar apenas a parte que envolve games! O projeto é de 2022 e substituí o finado PL das Fake News, e justamente por ser importante deveria ser mais bem-feito.
O texto aprovado, que neste momento vai para veto ou sanção presidencial de entre 29/08/2025 a 18/09/2025, removeu totalmente a proibição de loot boxes (proposta na justificativa da lei , deixando fora dos jogos de azar. E algumas dessas mecânicas precisavam ser bem mais discutidas, com gacha, caixa surpresa, caixa de recompensas, venda de itens ou até battle pass.
Originalmente havia o dispositivo que classificavam as caixas de recompensa (“loot boxes“) oferecidas em jogos eletrônicos como jogos de azar, nos termos do Decreto-Lei nº 3.688/41. Na atual redação foi removida tal menção que aplicaria o Artigo 50 que veda o estabelecimento ou a exploração de jogos de azar. Além disso cria uma regulamentação para a caixa de recompensa (loot box), separando-a do que seria jogo de azar. O texto deveria proibir as caixas de recompensa conforme parecer do Conselho Federal de Psicologia (de
Dezembro de 2021). Pesquisas também demonstram a similaridade estrutural da mecânica com jogos de apostas (jogos de azar).
A versão da lei aprovada exige mais transparência na mecânica: as caixas devem sempre trazer uma recompensa e os jogos devem deixar claras as probabilidades de ganho de cada item aos jogadores.
Mesmo assim assusta quando a lei diz que crianças não podem ser expostas a jogos de azar, mas quando você chama o jogo de azar de “caixa de recompensa” você, virtualmente, pode. Basicamente a lei protege uma mecânica maliciosa que poderá ser explorada por diversos jogos ou aplicativos. Os jogos tipo caixa de recompensas (ou gacha) serão distribuídos para crianças mesmo com o ECA Digital aprovada – a lei autoriza isso.
A questão das loot boxes é um problema no mundo todo, mas já foi discutido e descartado nos EUA em 2019, e sumariamente proibido na Bélgica em 2018. Mas a maioria dos países simplesmente ignoram o potencial problema da mecânica.
É importante apontar que o ECA (Art. 84, VI) proíbe a venda à criança ou adolescente de bilhetes lotéricos e equivalentes. Indago aqui se isso entraria em divergência com a “permissão” de venda de loot boxes para menores – afinal a mecânica não é tipificada como jogo de azar mas é mencionado como justificativa na lei.
Contudo, mecânicas p2w (ou Pay to Win, ou Pague e Ganhe) são proibidos apenas nas caixas de recompensas – não mencionando quando os itens são vendidos diretamente ao usuário. O artigo proíbe a concessão de vantagens competitivas significativas ou desproporcionais mediante pagamento. A lei considera vantagens os itens ou mecânicas que conferem ao jogador pagante superioridade relevante em mecânicas essenciais à progressão, ao desempenho ou ao êxito no jogo, sem possibilidade razoável de obtenção por meio do desempenho individual.
A lei poderia (ou deveria) afetar jogos como Warframe e até Ragnarok Online (a maioria deles) em território nacional. Warframe vende diversos tipos de itens como armas, bonecos, espaços para armas e bonecos, onde os bonecos e equipamentos podem ser adquiridos e construídos “de graça” – obviamente de maneira muito mais difícil dentro do jogo. Existe ainda a mecânica que “economiza” tempo de construção de itens (pay to boost?). Tal mecânica é comum em jogos para smartphone de todos os tipos, Clash of Clans e Township são só dois exemplos.
A responsabilização dos pais na vigilância da vida online das crianças e adolescente é um ponto importante que obriga que as plataformas implementem controles parentais. Resta saber se as plataformas serão fiscalizadas e quem fará tal fiscalização.
E agora? O Felca vai ter que fazer outro vídeo ou a exploração infantil de jogos de azar está autorizada pelo Congresso Nacional? Jogos são apenas uma parte – pequena – da lei, mas não poderia conter o que acreditamos ser uma falha absurda e que mostra o quanto a legislação pode não sair do papel.
Luiz “Lucto” Sato colaborou com esse artigo.
