Doctor Who é uma série maneira de ficção científica que mostra as viagens no tempo e no espaço de uma personagem muito louca que pode mudar de cara quando quase morre… A sua espécie é a dos Senhores do Tempo, ou seja, é dum outro mundo. Tudo é meio retrô e essencialmente britânico especialmente o humor. Leva uns amigos pra se divertir com ele, e as aventuras logo tornam-se terrivelmente perigosas. Também enfrentam uns bichos muito sinistros e perigosos. Sempre há uma ameaça em jogo, seja ela extraterrestres na Terra ou um vazamento de energia em qualquer lugar da dimensão. A série é muito antiga, está no ar desde 1963 na BBC, com elencos diversos, mas sempre se renova e surpreende quem assiste. O segredo da longevidade do Doutor é que ele se reinventa. Literalmente, como veremos a seguir enquanto falo de Doctor Who e a filosofia. Como o ator que encarna a personagem atual é o escocês David Tennant e em breve o inglês Ncuti Gatwa, trataremos pelo pronome masculino, por ora.
Mas, Alê, o que é que Aristóteles tem a ver com Doctor Who? Eu respondo, meu ingênuo companion. Ambos têm vários seguidores ou companheiros que os ajudam em suas jornadas.
Ambos enfrentam diversos inimigos ou adversários que ameaçam a ordem e a justiça. Aristóteles acreditava que o mundo era regido por leis naturais e racionais, enquanto Doctor Who viaja por diferentes dimensões e realidades onde as leis da física podem variar. Aristóteles defendia uma ética baseada na virtude e na felicidade, enquanto o Doutor segue um código moral mais flexível, mas prioriza, sobretudo, a preservação da vida e a amizade.
A Metafísica é um conjunto de tratados aristotélicos que falam sobre conceitos como substância, forma, matéria e etiologia, o estudo do ser enquanto ser. Aristóteles chamava essa ciência de “ciência ou filosofia primeira”, por se tratar de um conhecimento independente de qualquer experiência sensível ou empírica. A palavra metà tà physikà foi dada por Andrônico de Rodes, um discípulo de Aristóteles, que organizou seus escritos e colocou os que tratavam da filosofia primeira depois dos que tratavam da física. Talvez a metafísica seja o elo mais forte entre Doctor Who e a Filosofia.
Vamos começar por ela. A TARDIS (a, e não uma) é a nave do Doutor, uma máquina do tempo. Ela pode levar ele e seus amigos para qualquer lugar e época que eles quiserem (ou ela preferir ou o Universo demandar). Ela tem um jeito de se disfarçar para não chamar atenção, mas o dela está quebrado e por isso ela parece uma antiga cabine de emergência policial britânica dos anos 1950 e não um Mini Cooper, um pub ou um bando de hooligans. Ela foi feita pelos Senhores do Tempo, a raça do Doutor, mas ele roubou-a de seu planeta natal, Gallifrey, durante uma sangrenta guerra.
A TARDIS desafia as leis da física: tem uma técnica realmente avançada que permite que tenha dimensões diferentes por dentro e por fora. Além de ter uma personalidade própria, usa um conceito chamado de “transcendência dimensional”, que significa que o seu interior existe em uma dimensão diferente daquela do exterior. Assim, ela pode ter um espaço muito maior por dentro do que por fora, como se fosse um cubo que se transforma em um paralelepípedo quando você entra nele, também pode viajar no tempo e no espaço, usando um mecanismo que manipula a energia do vórtice temporal, uma região do universo onde o tempo e o espaço são flexíveis. Tais coisas são possíveis na teoria e fantasia, mas muito difíceis de fazer na prática. O conceito influenciou Douglas Adams, que utilizou uma versão bastante parecida de viagem no seu Guia do Mochileiro das Galáxias. Ou seja, TARDIS é um instrumento metafísico, ela é capaz de subverter o Princípio da Não Contradição.
Da natureza da identidade e da memória: o Doutor muda de aparência, estilo e personalidade a cada regeneração, mas mantém algumas características essenciais, como sua inteligência, sua curiosidade e seu senso de justiça. Cada versão é uma nova pessoa. A série explora como o Doutor lida com as mudanças em si mesmo e em seus relacionamentos com seus companheiros e inimigos. A série também mostra como o Doutor é afetado pelas suas memórias de suas vidas passadas, que às vezes são apagadas, alteradas ou restauradas.
Além disso, a série aborda como os outros personagens percebem o Doutor e sua identidade, que é muitas vezes um mistério ou um segredo. Ele não tem nome, e é sempre chamado simplesmente de Doutor Quem. É um refugiado que ama à Terra e à Humanidade. Na 11ª temporada da série, que estreou em 2018, o Doutor se regenerou em uma mulher pela primeira vez, interpretada pela excelente atriz Jodie Whittaker. Os fãs brasileiros receberam a mudança muito bem, conforme estudo de Cláudia Boehringer e Rafael José Bona. Seguindo a mesma levada da diversidade, em 2021 foi anunciado o primeiro Doutor negro, o ator Ncuti Gatwa.
A natureza do tempo em Doctor Who é um conceito que varia ao longo da série, mas que geralmente segue algumas regras básicas. O tempo é apresentado como uma dimensão que pode ser viajada e manipulada pelo Doutor e outros seres que possuem tecnologia avançada, como os Senhores do Tempo. O tempo também é visto como uma teia complexa e interconectada de eventos e possibilidades, que pode ser alterada ou preservada dependendo das ações dos viajantes do tempo. A primeira das regras que regem o tempo em Doctor Who respeita são a linearidade, os pontos fixos no tempo e as linhas temporais alternativas.
Tais regras proíbem que Senhores do Tempo possam interagir com suas próprias linhas do tempo passadas ou futuras, ou de se encontrarem com suas outras encarnações fora da sequência temporal para evitar paradoxos e contradições que poderiam danificar a teia do tempo. Já os pontos fixos no tempo são eventos que não podem ser mudados, pois são essenciais para o curso da história e para o equilíbrio do universo. Como diz o Doutor, o tempo pode ser um tipo de bola de wibbly wobbly timey wimey stuff, que eu não ousarei traduzir. O tempo não é linear nem contínuo nem sucessivo. Pega essa, Bergson!
A ética e a moral: é frequentemente confrontado com dilemas morais que envolvem salvar vidas, proteger civilizações, combater o mal ou preservar o equilíbrio do universo, além da moralidade bastante duvidosa dos inimigos do Doutor e suas motivações. O Doutor enfrenta diversos inimigos que ameaçam a paz e a liberdade do universo, como os Daleks, os Cybermen, o Mestre, e outros muitos que são o próprio mal encarnados. A série explora como esses inimigos se justificam e se veem como superiores, vítimas ou salvadores, e como eles são influenciados por fatores como o medo, o ódio, a ambição ou loucura.
A série também mostra como o Doutor tenta compreender e dialogar com seus inimigos, e como ele decide quando combatê-los ou perdoá-los. A série explora como o Doutor toma suas decisões e quais são as consequências de suas ações, tanto para ele quanto para os outros, mostra como o Doutor é influenciado por seus valores, sua índole, suas emoções, e como ele lida com a culpa, o sacrifício, a amizade, o arrependimento e o perdão. Os gregos tinham sete tipos de amor, talvez o Doutor consiga encarná-los todos.
A morte é um tema recorrente em Doctor Who. Ela faz parte do passado do herói. A cessação da vida nem sempre é definitiva no universo da série. A capacidade de regenerar-se torna o Doutor imortal, a certo ponto, mas o mesmo não vale para os seus companheiros de viagem. O sobrenatural também aparece em muitos momentos, como The Unquiet Dead, que traz Charles Dickens às aventuras do Doutor. Também vale para fantasmas, anjos aterrorizantes e visões. A clonagem, que permite a alguns personagens terem cópias idênticas de si mesmos, como Jenny e River Song, e a transferência de consciência, que permite a alguns terem suas mentes preservadas em outros corpos ou dispositivos, como Oswin Oswald e Nardole, são vistos com bons olhos na produção, enquanto a imortalidade, que permite a alguns personagens viverem para sempre, como Jack Harkness e Ashildr, é vista como maldição.
Para fechar, a série ainda aborda muitos outros temas filosóficos, como, por exemplo, a estética (em episódios como Vincent and the Doctor), a consciência, a política e a justiça…
Uma resposta em “Doctor Who e a Filosofia”
Muito bom… Gostei muito!!!
Vou estar mais aqui…
Beijos!!!!