Leia a crítica do filme Medida Provisória dirigido por Lázaro Ramos.
Se “Bacurau” de 2019, é um diagnóstico sobre um futuro próximo, “Medida Provisória” de 2022 é um aviso para o presente imediato. É amigos, podemos colocar o nome de Lázaro Ramos no hall de bons diretores do cinema brasileiro. Medida provisória surge como uma excelente distopia que serve de aviso para os caminhos nacionais, ainda mais num ano tão conturbado importante como será o de 2022 para o Brasil.
Bom, o MP, como sugere o nome, é uma lei aprovada no filme de Ramos, de forma bem alà impeachment da Dilma em 2016, que determina que qualquer pessoa negra pode se mudar para a África como forma de reparação histórica e correção aos “erros cometidos durante a colonização do Brasil”.Me resguardo aqui nos spoilers, o que importa mesmo é como Ramos consegue fazer do filme um exercício de futurologia para algo que infelizmente não parece nada impossível no Brasil.
Vamos dar nomes aos bois? Bem, se Trump levou uma galera na ideia absurda dele de criar um muro entre o México pago pelo México, qual será a dessurpresa de que nosso presidente atual resolva ter um muro para chamar de seu com a cara de pau tupiniquim já conhecida? Algo como… Mandar os negros brasileiros de voltarem para África. Consigo imaginar certos indivíduos de caráter dúbio que ficariam entumecidos só de ouvir tamanha ideia no mundo real.
Enfim, o filme é excelente. Se Bacurau trouxe de forma muito sutil uma distopia de faroeste espagueteiro onde quem luta por água é caçado e taxado de terrorista, onde o governo dopa a sociedade deliberadamente e onde uma cidade inteira pode ser vendida ao sadismo gringo. Medida Provisória traz o racismo do brasileiro e a omissão da política do país para com o extremismo para o mundo de HOJE, para o aqui e agora.
Ora, não existe essa coisa de “a história se lembrará de quem foi mau”, isso é coisa de quem não tem muita ideia do que fazer e, no pior dos casos, de quem não quer fazer nada. A história está aí para ensinar que quem torturou no passado, morreu de velho. O inimigo da liberdade não tem medo da história. Ramos nos faz ver que, diante da fragilidade que a realidade trata as minorias, qualquer estalo de desatenção pode virar uma avalanche de de discriminação, desproteção legal (que ainda mal temos atualmente) e, como sempre, extermínio.
Medida Provisória está sofrendo um boicote atualmente. Curioso que o boicote vem justamente daqueles que, sejamos francos, abririam um sorriso diante de uma vala de cadáveres de pessoas negras em um distópico extermínio patrocinado pelo Estado. Já entre quem se mantém alerta, o filme foi amplamente bem aceito e o boca a boca está bem forte, acho que metade da plateia na sessão que vi hoje no dia 17/04 era composta por pessoas negras.
Por fim, o elenco do filme é maravilhoso: Alfred Enoch impecável em seu idealista apaixonado e seu contraponto em determinados momentos é o que nos faz querer voltar à civilidade contra o ódio; Seu Jorge faz um alívio cômico encantador e, de repente, inversamente super dramático a ponto de tirar lágrimas e puxar nós de garganta indesatáveis e, também, Thaís Araújo está emocionante e transbordando um talento que te convence em absoluto de tais emoções. Uma atuação impressionante.
Medida Provisória é um dedo na ferida necessário para quem flerta ou ignora um problema do presente (os covardes muito bem mencionados no filme) e o alerta constante que devemos ouvir de tempos em tempos.
Nota geral: 8,5/10 farofas (é melhor que Spencer e Ataque dos Cães)