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A Lei da Liberdade de Golpe

Imagine um projeto de lei que não só perdoa um crime como autoriza que ele se repita no futuro, com manual de instruções incluso. Parece ficção, mas é real e atende pelo nome de PL 2.858, também conhecido, nos bastidores da democracia, como o PL da Impunidade ou Pl da Liberdade de Golpe.

Proposto pelo deputado Major Vítor Hugo (PL-GO) e camuflado pelo substitutivo de Pedro Valadares (UB-SE), o projeto tenta fazer algo que nem os roteiristas de série política ousariam: tornar Jair Bolsonaro elegível novamente, anular todas as condenações e garantir um passe livre para futuros golpistas.

Um projeto com nome e sobrenome

Não se engane: esse projeto nunca foi feito para a manicure do Batom nem para o pipoqueiro ou sorveteiro da esquina. É um presente para Bolsonaro e seus aliados.

O PL da Liberdade de Golpe oferece um verdadeiro festival de benefícios para Bolsonaro e aliados. Ele concede anistia geral a todos os envolvidos nos atentados de 8 de janeiro, incluindo aqueles que ainda nem foram julgados, garantindo retroativamente o perdão por qualquer participação, financiamento, apoio ou incentivo aos atos golpistas. 

Mas não para por aí: ele também abrange todos os crimes com “motivação política” praticados desde março de 2021. Isso mesmo, inclui desde a famigerada reunião com embaixadores até os bloqueios de rodovias e o uso irregular da Abin para espionagem.

Como se fosse pouco, o projeto contempla inclusive crimes eleitorais e garante o perdão a membros do chamado “Gabinete do Ódio”, influenciadores digitais e blogueiros de extrema-direita que tiveram suas redes suspensas ou foram punidos por promover discurso de ódio e violência política.

Bolsonaro, é claro, é o grande beneficiário: teria seus direitos políticos restaurados, voltaria a ser elegível e teria todas as suas condenações penais, cíveis e eleitorais anuladas, junto com as de seus cúmplices.

Para garantir que ninguém ouse tocar nesse pacto de silêncio, o projeto ainda proíbe a abertura de novos inquéritos ou a continuidade de ações contra os envolvidos, sob risco de acusar investigadores e juízes de abuso de autoridade. Em um toque de criatividade jurídica, ele também altera o Código Penal para restringir a criminalização de tentativas de golpe apenas a casos em que haja violência física direta contra uma pessoa — e mesmo assim, só se os meios usados forem considerados “eficazes” (como se após um golpe de Estado efetivado algum golpista fosse punido).

Além disso, a proposta deixa de considerar crime o financiamento e a logística por trás de manifestações violentas, como acampamentos em frente a quartéis e os atentados ocorridos em dezembro de 2022 e janeiro de 2023. Para fechar com chave de ouro, o projeto de lei ainda prevê a possibilidade de habeas corpus preventivo para futuros golpistas, inclusive no STF — uma espécie de “licença para golpear”.

O futuro chegou. E é golpista.

O texto tenta reescrever o Código Penal como quem troca uma figurinha repetida. Golpe de Estado só será crime se tiver violência direta contra alguém e com provas de que o plano era mesmo pra valer. Até lá, é só “exercício de opinião”.

O PL da liberdade de Golpe é o tipo de proposta que escancara a estratégia de quem perdeu no voto, mas não quer largar o osso. Não se trata de reconciliação nacional nem de liberdade de expressão: é uma blindagem para quem apostou contra a democracia.

Afinal, se o golpe for protegido por lei, quem precisará de tanques?

Por Paola Costa

Professora, podcaster e palpiteira. Só falo de temas aleatórios, não reparem a bagunça (ou reparem).

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