Parece loucura (e é) mas tem gente querendo acelerar segunda vinda de Cristo com Inteligência Artificial.
Pat Gelsinger deixou a Intel em dezembro de 2024 após fracassar em reverter o declínio da fabricante de chips. Três meses depois ressurgiu como presidente executivo de uma empresa chamada Gloo, uma plataforma que se autodenomina como um “ecossistema tecnológico da fé” e desenvolve o que chama de “IA cristã”. Em entrevista ao The Guardian, Gelsinger declarou: “Minha missão de vida tem sido trabalhar em uma tecnologia que melhore a qualidade de vida de cada ser humano no planeta e apreste a vinda de Cristo.” A fala pode ser até bonita dependendo da sua religiosidade, mas acelerar a segunda vinda de Cristo com Inteligência Artificial não me parece uma boa ideia.
Basta dizer que a Bíblia conta com detalhes subjetivos, mas o que acontece é literalmente o Apocalipse. Sabe, o fim do mundo?
A declaração não é Gelsinger não é metafórica. Em 2013 criou uma organização com objetivo de converter um milhão de pessoas no Vale do Silício. Agora, ele pretende usar inteligência artificial baseada no modelo chinês DeepSeek para criar sistemas alinhados com valores cristãos… O que é um conceito problemático considerando que o cristianismo possui milhares de denominações com interpretações teológicas conflitantes e fiéis que podem utilizar desculpas “religiosas” para justificar preconceitos e até justificar crimes.
Em evento na Colorado Christian University em Outubro de 2025, Gelsinger comparou a IA à invenção da prensa móvel, creditado a Johannes Gutenberg que deu início à Revolução da Imprensa, usado para imprimir jornais, até então os únicos veículos jornalísticos existentes. O evento incluiu um hackathon com mais de US$ 250 mil em prêmios onde um participante conseguiu extrair da IA da Gloo uma receita de metanfetamina através de prompt injection como apontou a PC Gamer.

A empresa classificou o incidente como “exatamente o propósito do evento”. A Gloo afirma que mais de 140 mil líderes religiosos já utilizam a plataforma que pode dar receita de metanfetamina. Ainda promete ser capaz de servir luteranos, católicos, episcopais e outras vertentes.
Uma IA para todas as religiões dominar.
Gelsinger não é o único que mistura motivações supostamente religiosas com IA. Em um painel foi acompanhado de nomes como Michael Flynn (ex-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA), Liz Truss (ex-primeira-ministra britânica) e Daniel Cathy (presidente da Chick-fil-A, uma rede de restaurantes). Segundo ele é fácil encontrar “ouvidos amigáveis” em Washington, embora recuse nomear políticos específicos.
Mas talvez o nome mais proeminente dessa safra de e-religiosos é Peter Thiel, investidor da Palantir, PayPal e um dos primeiros investidores do Facebook, também tem dado palestras sobre a vinda do Anticristo. Thiel é conhecido como um conservador libertário e como um cético crítico à democracia. Apesar de ser gay é um notório apoiador da extrema-direita nos EUA e no mundo.
Mas como uma IA poderia ser simultaneamente “cristã” e neutra sobre questões teológicas fundamentais? Batismo infantil é válido? Homossexualidade é pecado ou amor legítimo? Qualquer resposta programada em um sistema inevitavelmente refletirá vieses teológicos específicos, excluindo os cristãos que discordarem daquele que programou a IA.
Um dos objetivos mais surpreendentes de Gelsinger seria converter Mark Zuckerberg. “Eu quero que o Zuck se importe“, declarou. Zuckerberg foi criado em um lar considerado judeu reformista e é ex-ateu declarado. O dono da Meta é o principal alvo dessa evangelização algorítmica. A ideia de transformar Meta – empresa acusada de facilitar desinformação e corroer democracias – em braço evangelizador através de IA levanta suspeitas sobre a verdadeira intenção por trás da fé.

O que vemos, independente do bilionário envolvido, são promessas de uma utopia tecnológica que normalmente mascaram estruturas autoritárias – bem diferente de Star Trek. O problema não é a religião dos empresários de tecnologia, mas que queiram implementar uma otimização algorítmica como meio “salvação”. Quando você acredita possuir a chave para o paraíso – seja através da ciência ou de um deus – inevitavelmente você irá concluir que dissidentes precisam ser convertidos ou então silenciados.
Em 1626 Francis Bacon mostrou no livro inacabado Nova Atlântida uma ilha governada por cientistas que controlavam o clima e decidiam quais descobertas revelariam ao público. Jonathan Swift respondeu com As Viagens de Gulliver, que é (querendo ou não) uma sátira sobre cientistas tirânicos e imortais que desejam morrer. Alan Moore criou em Watchmen o personagem Ozymandias, bilionário que forja invasão alienígena para estabelecer governo mundial.
Tudo isso não é por acaso, é puro Aceleracionismo (mas já falamos isso desde 2017, quando já víamos a acessão da extrema-direita junto de Michel Temer), e como o tecnofeudalismo consegue apontar e classificar bem.
Gelsinger representa uma tendência crescente no Vale do Silício que prega a fusão entre messianismo tecnológico e a religião. A real preocupação não deve ser o que essas plataformas de IA religiosa podem fazer atualmente, mas a normalização da ideia de que fé pode e deve ser automatizada, otimizada e distribuída em escala industrial através de algoritmos. Não é a toa que até uma pseudo-enciclopédia Elon Musk copiou criou.
Não falta muito para o apocalipse chegar mesmo. Mas pelo menos agora está mais fácil entender o que seria o dragão de sete cabeças e dez chifres, certamente teriam as logo-marcas de IA nelas.
Imagens deste artigo são do gibi Antes de Watchmen: Ozymandias.
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