DC’s K.O.: Quando a solução para derrotar Darkseid é um outro Darkseid
A DC Comics lançou nesta semana DC’s K.O. #1 nos EUA, evento escrito por Scott Snyder e desenhado por Javier Fernández. Dessa vez Darkseid virou um deus cósmico tão absurdamente poderoso que a única forma de detê-lo é transformar um herói em algo igualmente poderoso.
Mas como fazer isso?
Através de um battle royale onde todo mundo precisa esquecer compaixão, ética e décadas de desenvolvimento de personagem. Obviamente.
Potenciais spoilers podem surgir a seguir entregando a trama de diversos títulos do Universo Absoluto e Liga da Justiça.

O Universo Absoluto é uma linha temporal dominada por uma energia oposta a que conhecemos. As aventuras dos personagens que conhecemos é localizado em um universo banhado com a chamada energia Alpha. Já o Universo Absoluto é banhado pela energia Ômega, graças à Darkseid e sua incursão ao final de Poder Absoluto.
Nesse mundo absoluto todo mundo é mais sombrio, mais violento e usa mais couro. Nada grita mais como novidade para a fanbase do como tornar heróis mais dark pela 52ª vez.
Segundo revelações em Justice League: Omega Act Special #1, foram os kryptonianos antigos que criaram o dispositivo Rei Ômega no coração de Apokolips – aquele planeta infernal que Darkseid chama de lar. Aparentemente Krypton não explodiu por negação científica suficiente, precisava ter fodido o multiverso inteiro também (de novo).
O “coração de Apokolips” apareceu na Terra antes de Darkseid chegar, e a solução da Liga da Justiça é usar esse mesmo dispositivo para concentrar toda a energia Ômega em um único herói. Segundo os especialistas como Time Trapper, World Forger, Grodd e até o Gladiador Dourado, o herói ficaria poderoso o suficiente para enfrentar Darkseid… E até remodelar a realidade.
E aí começa o DC’s K.O.: um torneio onde os heróis precisam se destruir mutuamente sem compaixão ou misericórdia, porque ajudar uns aos outros não gera energia Ômega suficiente. Nas palavras do próprio Snyder: é uma “battle royale divertida e intensa” para ver quem será o campeão permanente do Universo DC.

Divertida.
Os fins justificam os meios?
A energia Ômega é descrita como “energia da conquista, da destruição e do controle”. Literalmente a essência do autoritarismo. E a solução heroica é absorver essa energia?
Se fosse em O Senhor dos Anéis o Frodo teria decidido usar o Anel porque ia ser mais rápido.
Aparentemente o Coração de Apokolips corrompe os competidores conforme eles se aproximam dele, e só considera “digno” quem demonstra crueldade real. Estamos literalmente assistindo heróis serem recompensados por abandonarem seus valores fundamentais. Isso pode ser problemático.

A ideia de que você precisa “fazer o que for necessário” – mesmo que isso signifique se tornar aquilo que você combate – não é heroísmo em nenhum lugar. É o discurso de todo regime autoritário da história e como ferramenta narrativa para os heróis pode ser um tremendo erro.
Scott Snyder já escreveu histórias impressionantes: Batman: Corte das Corujas e até Dark Nights: Metal tinham energia e criatividade apesar de tudo.
Mas o que vemos aqui me assusta até para o padrão “gibi de boneco gringo”.
Como noticiado pelo Bleeding Cool, Snyder diz que Darkseid “existe quase fora do espaço-tempo” e se tornou incrivelmente poderoso e, com isso, é uma ameaça cósmica estabelecida. E a resposta narrativa é basicamente “vamos fazer nossos heróis caírem na porrada até ficarem malvados como ele”.
Nunca vou me esquecer quando Superman Prime quebrou a realidade na base da porrada.
É a mesma lógica que fez o Batman de Zack Snyder matar e usar armas de fogo em seus filmes. É o mesmo pensamento que transformou o Superman num messiânico deus alienígena distante.
A piada mortal da indústria
DC’s K.O. #1 custa US$ 5.99. É uma edição de 4 números. Ou seja: quase US$ 24 (ou R$ 128 em uma conversão direta, sem contar taxas, atravessadores ou sei lá por quanto a Panini vai vender isso) para ver a Liga da Justiça num reality show violento que resolve suas tramas com mais violência.
A indústria dos quadrinhos americanos está tão desesperada por relevância que acredita que “evento gigante com pancadaria” ainda é novidade em 2025. É cansativo. É previsível. E quando você veste essa fórmula batida com um subtexto político tão problemático, fica pior ainda.
O contexto é totalmente ignorado em um mundo de ascensão autoritária. E sim, estou falando da nossa realidade. Estou falando de Donald Trump, estou falando de fascismo.

Darkseid é uma alegoria da Anti-Vida, do controle total, da aniquilação de individualidade e da escravização dos fracos. Ele é Jack Kirby gritando sobre os horrores do totalitarismo através de ficção científica… Mas a editoria da DC decidiu ignorar isso.
É junk food de narrativa em formato de quadrinho.
A pancadaria descerebrada pode ser divertida, eu sei. É coisa de gibi de boneco mesmo. Javier Fernández é um artista competente, e ver heróis icônicos se confrontando sempre tem um apelo visual… Sem mencionar que aparentemente a vilania dos personagens cresce conforme suas vitórias e há motivos para acreditar que os poderes dos derrotados vão para os vencedores.
Na capa de DC’s K.O. #2 é possível ver diversos heróis petrificados onde se destacam Lobo com o veneno de Bane, Arlequina com os raios de Flash, Mulher Maravilha de armadura (?) e Superman com sorriso de safado com o capacete de Doutor Destino em uma mão e a maça de Mulher Gavião na outra.
No final não vai dar em nada mesmo.

Mas não espere profundidade. Não espere um comentário social inteligente. E definitivamente não conte com uma mensagem que faça sentido no contexto político atual.
Scott Snyder é melhor que isso. A DC já foi melhor que isso. Os leitores merecem melhor que isso.