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Ne Zha me pegou de surpresa — e talvez pegue você também

Ne Zha foi uma daquelas descobertas que a gente faz quase sem querer e acaba virando pauta obrigatória pra quem curte cultura pop, animações e histórias com camadas mais profundas. Lançado em 2019, o filme é uma animação chinesa baseada em uma figura lendária do folclore local — e mesmo que você nunca tenha ouvido falar dele antes, dá pra curtir muito bem a jornada desse protagonista caótico, poderoso e emocionalmente ferrado (no bom sentido).

A premissa já chama atenção: um espírito demoníaco reencarnado como uma criança, destinado a ser temido e rejeitado desde o nascimento, mas que decide lutar contra essa narrativa imposta e escrever a própria história. Parece familiar? Pois é — a vibe lembra bastante o que Nimona (2023) fez anos depois, com uma pegada meio anti-herói e forte subtexto sobre identidade, rótulos sociais e aceitação.

Visualmente, o filme é um prato cheio pra quem curte animação vibrante. A direção de arte não economiza na cor, na magia ou nos efeitos estilizados. Tem umas sequências que são puro espetáculo: explosões de energia, poderes místicos, lutas em escala hercúleas… Tudo com uma vibe muito própria. E embora o design de personagens não seja o mais sofisticado, a animação em si é fluida e expressiva, e o timing cômico funciona bem. Algumas lutas são tão criativas que poderiam facilmente entrar num top de melhores cenas de ação animada.

No quesito construção de mundo, Ne Zha entrega um universo mitológico com uma boa dose de fantasia e conflitos morais. Você não precisa entender os detalhes do folclore chinês pra se envolver — o roteiro faz um bom trabalho em contextualizar o básico e te deixar curioso pelo resto. A dualidade entre bem e mal é representada de forma simples, mas eficaz: duas essências (a Perla Espiritual e a Perla Demoníaca) que deveriam ter seus destinos separados, mas acabam trocadas. Essa troca é o estopim da história do Ne Zha, que cresce sob o peso do medo e da rejeição, mas com pais que acreditam nele, o que já muda bastante o clichê do “vilão que nasceu assim”.

E aí entra um dos pontos mais legais do filme: o conflito emocional. Ne Zha não é só um protagonista engraçado e poderoso — ele é um garoto tentando encontrar o próprio lugar no mundo, entre surtos de raiva, piadas mal colocadas e momentos bem vulneráveis. O laço que ele forma com Ao Bing, outro personagem preso ao papel imposto pela sociedade, é um dos aspectos mais simbólicos e interessantes da trama. Pena que essa relação não é tão desenvolvida quanto poderia. Eles têm química, têm paralelos interessantes, mas têm pouco tempo juntos antes do clímax. Ainda assim, dá pra sentir a força da conexão.

Ne Zha adulto ameaça um dragão com seu bastão - blog FAROFEIROS

O humor, por outro lado, divide opiniões — e eu entendo totalmente. Tem piadas boas, que funcionam com o tom leve da história, mas tem umas que são puro humor escatológico. É um tipo de comédia que pode afastar parte do público, especialmente quem já passou dos 15 anos. Felizmente, o filme parece encontrar um equilíbrio depois do início meio bagunçado, e as partes engraçaralhas param de atrapalhar o drama quando ele começa a pesar de verdade.

Do ponto de vista técnico, além da animação fluida e dos efeitos bacanas, o filme também merece destaque pela direção de ritmo — ainda que com ressalvas. O primeiro ato é longo demais, e a sensação é que a história demora pra engrenar. Boa parte do tempo é usada pra introduzir o universo, os personagens e o contexto da “maldição” de Ne Zha. Quando finalmente começa a ação de verdade, já se passou mais da metade do filme. Mas o clímax vale a espera: visualmente insano, com emoção real e uma bela mensagem sobre escolhas, amizade e identidade.

Ne Zha explodindo em chamas com seis braços em posição de meditação - blog FAROFEIROS

No fim das contas, Ne Zha é aquele tipo de filme que parece simples à primeira vista, mas que entrega uma carga emocional e uma construção de mundo muito mais robusta do que o esperado. Tem ação, tem drama, tem mitologia, tem crítica social e até um toque de representatividade simbólica. Dá pra curtir tanto como entretenimento quanto como material pra refletir sobre temas como aceitação, preconceito e liberdade de ser quem você é.

Pra quem curte mitologia, heróis problemáticos e cenas de luta que parecem boss battle de anime, Ne Zha é praticamente obrigatório. Ainda mais agora que a sequência tá aí, quebrando recordes na China e prometendo ainda mais caos místico. Pode colocar na lista!

Por Stevens

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E falo de política lá no Camarote da República

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