Era o filme dos sonhos de Guillermo Del Toro. E ele fez. Não pra agradar estúdio, nem crítica, nem público. Fez por amor mesmo. Amor à história da Mary Shelley, amor aos personagens, amor ao cinema. E esse amor tá em cada frame de Frankenstein.
Frankenstein nas mãos do Del Toro vira quase uma pintura barroca. A ambientação é sombria sem ser opaca. A fotografia é belíssima e cheia de camadas. Tudo parece ter sido esculpido com o maior cuidado, como se cada cena tivesse sido pintada à mão. E é essa paixão que sustenta o filme inteiro.
Mas o melhor é que, ao invés de cair no clichê do cientista louco e da criatura monstruosa feita de pedaços, Del Toro olha pra essência. Ele volta ao que Shelley escreveu lá atrás: o horror da existência, o peso da criação, o desespero do abandono. Aqui, Frankenstein é sobre um homem tentando desafiar a morte e uma criatura tentando entender o que significa estar vivo. Prometeu? Com certeza. Mas também Adão, sozinho no mundo, pedindo companhia ao criador. E sendo ignorado.

As alegorias ao longo da história são sutis, mas profundas. Elizabeth, por exemplo, é mais do que uma coadjuvante romântica. Ela é quase um eixo mitológico no filme. Enquanto a Criatura surge envolta em bandagens, Elizabeth casa usando um vestido que se desfaz em tiras, como se espelhasse aquele nascimento. A Criatura nasce pra morte. Elizabeth, mesmo cercada pela morte, entrega vida. Ela tira Victor de sua obsessão, mas também tira a Criatura do subsolo e a coloca sob o céu, ainda que por breves momentos.
Talvez ela seja a serpente do paraíso, oferecendo à Adão do Prometeu moderno o entendimento de que sua existência vai além de obedecer comandos. Talvez seja a Eva que ele nunca teve, o primeiro ser que o fez sentir, e não apenas reagir. O fato é que, diferente de tantas adaptações que a ignoram ou descartam, aqui Elizabeth é central. Ela entrelaça os destinos do criador e da criatura, e muda não só os caminhos de ambos, mas o entendimento que eles têm de si mesmos.


É um filme cheio de alegorias, reflexões e densidade emocional. Um estudo de personagem, de humanidade, de limite. E mais: de responsabilidade. Porque se a criatura é o erro, é o criador quem se recusa a reconhecer esse erro. E é nisso que Del Toro se destaca de todas as outras versões já feitas, ele entende que o verdadeiro monstro talvez nunca tenha sido quem a gente imaginava (ou sequer que exista algum monstro nesse mundo de desejos e repressões).
Se “Pinocchio” foi o conto definitivo de Del Toro, seu “Frankenstein” é a leitura definitiva do romance da Shelley. E talvez a melhor forma de entender tudo que aquele livro ainda nos provoca.
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